"Quem critica escolha de dois ministros que ajudaram a derrubar
crime de quadrilha (Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki) deveria lembrar como
foi escolha de Joaquim Barbosa", escreve Paulo Moreira Leite; jornalista
da IstoÉ lembra que "Lula deixou claro, em 2003, que pretendia quebrar um
parâmetro no STF e decidiu escolher um jurista negro para ocupar uma das vagas
em aberto"
2 DE MARÇO DE 2014
247 - Contra a crítica de que os ministros Luís Roberto Barroso e Teori
Zavascki teriam sido indicados pela presidente Dilma Rousseff ao STF com o fim
de mudar o resultado do julgamento da Ação Penal 470, o jornalista Paulo
Moreira Leite lembra, em artigo, como foi a indicação do próprio presidente da
Corte, Joaquim Barbosa, autor da acusação. "Lula deixou claro, em 2003,
que pretendia quebrar um parâmetro no STF e decidiu escolher um jurista negro
para ocupar uma das vagas em aberto (...) Fez duas entrevistas, gostou dos
nomes, mas os dois candidatos possuíam impedimentos maiores. O governo até
pensou em desistir por um momento mas já era tarde", escreve o colunista
da revista IstoÉ.
Leia abaixo a íntegra de seu artigo:
A LENDA DOS DOIS MINISTROS
Quem critica escolha de dois ministros que ajudaram a derrubar crime de
quadrilha deveria lembrar como foi escolha de Joaquim Barbosa
Em tom de acusação mal disfarçada, comentaristas de veículos
conservadores tem divulgado a versão, lançada por Joaquim Barbosa apos a
derrota no julgamento dos embargos sobre formação de quadrilha, de que a
mudança deve ser atribuída a dois ministros indicados por Dilma Rousseff para o
STF, Luiz Roberto Barroso e Teori Zavaski.
Eu acho inacreditável que se possa sugerir que Barroso e Zavaski
entraram no julgamento como votos de cabresto.
Nessa visão, o julgamento da AP 470 foi tão imaculado, tão patriótico,
que qualquer dissidência só se explica por motivos baixos.
O fundo desse raciocínio é esconder a decepção profunda de quem esperava
que o debate sobre embargos fosse uma simulação, um joguinho de aparências para
livrar a cara do STF depois que vários aspectos condenáveis do julgamento –
como a ausência de um segundo grau de jurisdição -- começaram a causar
constrangimento entre juristas respeitados, dentro e fora do país.
Por fim, vamos começar lembrando o seguinte. Qualquer que seja sua
opinião sobre a qualidade dos dois novos ministros, sua isenção, sua
competência, será difícil negar que, em qualquer caso, a escolha dos dois
obedeceu a critérios mais adequados e consistentes, do ponto de vista da
Justiça e do Direito, do que os métodos empregos em 2003, quando Luiz Inácio
Lula da Silva escolheu Joaquim Barbosa para integrar o STF. Por exemplo.
Tanto para indicar Zavaski como para apontar Barroso a presidente deixou
de lado questionáveis critérios extrajurídicos que tiveram peso na escolha de
Joaquim. Lula deixou claro, em 2003, que pretendia quebrar um parâmetro no STF
e decidiu escolher um jurista negro para ocupar uma das vagas em aberto. A
partir daí, em várias consultas, o ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos
começou conversar com possíveis candidatos. Fez duas entrevistas, gostou dos
nomes, mas os dois candidatos possuíam impedimentos maiores. O governo até
pensou em desistir por um momento mas já era tarde.
A notícia de que Lula pretendia indicar um negro para o STF fora
divulgada pela coluna de Monica Bergamo, na Folha, colocando os movimentos de
luta contra o racismo de pé, cobrando a nomeação. Foi assim que surgiu o nome
de Joaquim Barbosa, que havia se apresentado a um velho amigo de Lula, Frei
Betto, numa sala de espera da Varig. A candidatura teve um apoio social
importante, muito além de lideranças do movimento negro. Então um sindicalista
de prestígio no governo Lula, o próprio Henrique Pizzolato – hoje preso na
Itália – foi acionado para ajudar na escolha de Joaquim e defendeu seu nome
junto a Gilberto Carvalho.
Cabe fazer outras considerações em torno das insinuações baixas sobre
Barroso e Barbosa.
Seria uma observação razoável se Luiz Fux, o ministro que comparou o PT
ao bando de Lampião, não tivesse sido nomeado, ele também, por Dilma.
Sublinhando dois votos novos, como se fossem inaceitávais, sem
fundamemento jurídico, estamos falando de uma contabilidade conveniente, onde
números aparecem quando interessa e desaparecem quando convém.
Com ela, pretende-se esconder vários fatos jurídicos e políticos
relevantes.
O primeiro é a fragilidade da denúncia sobre o crime de quadrilha do
ponto de vista de vários juristas respeitáveis.
Eles consideram difícil imaginar que José Dirceu, José Genoíno, Delúbio
Soares e tantos outros condenados tenham se associado para cometer crimes – e
não para fazer política.
Você pode até afirmar que cometeram atos ilícitos. Pode apontar desvios.
Mas para acreditar que trocaram a luta política para se transformar numa
espécie de criminosos de colarinho branco é preciso encontra provas e fatos
mais consistentes do que a teoria do domínio do fato.
Uma quadrilha é formada por pessoas que cometem crimes com a finalidade
de cometer mais crimes.
Não se iludam.
Se a denúncia de formação de quadrilha fosse mais do que a literatura
agressiva, bem arquitetada mas oca que se ouve no STF desde 2006, o placar
teria sido outro. É isso que se quer esconder no debate para fingir que tudo
pode ser resumido a uma troca de favores.
Um dado essencial na decsäo é a perda de autoridade de Joaquim Barbosa
entre colegas. Acompanhada de um comportamento interno, autoritário, parcial e
grosseiro, a movimentação política-eleitoral de Joaquim diminui sua
credibilidade como presidente do STF.
Vários ministros se perguntam o que ele faz por convicção jurídica, o
que faz por interesse político. E muitos se perguntam o que fará com eles
próprios – diante das câmaras de TV -- caso sintam necessidade de divergir do
presidente.
O que se viu no debate sobre formação de quadrilha é que o plenário
começou a reagir a Joaquim.
Quando ficou claro que o presidente pretendia encerrar a sessão de
qualquer maneira, na quarta-feira, o que deixaria Barroso solitário em seu voto
contra o crime de quadrilha, ocorreu uma cena outrora impensável. Joaquim foi
interrompido por Carmen Lúcia, que pediu que os demais ministros antecipassem
seus votos, mostrando quem é que estava em minoria.
O dia terminou em 4 a 1 contra Joaquim, impedindo que se repetisse,
desta vez, o circo dos meios de comunicação para socorrer o presidente do STF,
como se fez contra Celso de Mello no debate sobre os embargos.
O discurso de Joaquim, após a derrota, foi ouvido em silêncio por um
plenário que já não lhe dá muita atenção. Foi um pronunciamento agressivo,
impróprio e inócuo. Ofendeu Dilma. O presidente do tribunal disse que fazia um
alerta a Nação, o que é absolutamente inapropriado para um juiz e sempre serve
como advertência quando colocada na boca de um candidato.
Falar à Nação? Ame-o Ou Deixe-o? Salvador da Pátria?
Isso é coisa para um juiz?
A tentativa de denunciar – o que é verdade -- que os ricos tem
tratamento preferencial na Justiça enquanto pobres são condenados com muito
mais frequência ficou prejudicada pelo currículo de seus companheiros de voto.
Você pode gostar ou não de quem se aliou a Joaquim. Pode reconhecer méritos e
conhecimentos jurídicos em sua história. Ou pode identificar, ali, casos de
desprezível oportunismo. Mas foi com essas pessoas que ele tentou impedir, de
qualquer maneira, que o STF corrigisse um erro de oito anos.
Um dos ministros absolveu Fernando Collor. Outro deu habeas corpus para
o banqueiro Salvatore Cacciola. Um terceiro abriu a porta da prisão, duas
vezes, para o banqueiro Daniel Dantas. O quarto foi atrás de ricos, pobres e
até acusados da Ação Penal 470 para conseguir apoio para vestir a toga do STF.
O terceiro fato relevante da decisão envolve, sim, os dois novos juízes.
Luiz Roberto Barroso e Teori Zavaski demonstraram, no julgamento, uma cultura
jurídica consistente, de quem tem argumentos próprios para tomar decisões e não
se deixa intimidar. Se a experiência ensina que até os melhores juízes são
miseravelmente humanos, e nenhum deles está inteiramente vacinado contra
pressões e valores de sua época, os dois demonstraram ali, quando era
previsível que receberiam as críticas feitas agora, que seu conhecimento e suas
convicções teriam mais importância na tomada de decisões do que outros fatores.
Assumiram posturas coerentes com aquilo que sempre disseram em outras
ocasiões. Sempre foram elogiados por seus argumentos. O simples fato de votarem
contra um capítulo do "maior julgamento da história" deve coloca-los
sob suspeita?
Com o aposentadoria antecipada de Joaquim Barbosa, que confirmou a saída
em breve até para Dilma Rousseff, o STF entrará em nova fase. Novo presidente,
Ricardo Lewandovski sai da AP 470 maior do que entrou. Mostrou personalidade
para manter suas convicções ainda que o comportamento intolerante de Joaquim em
plenário tenha servido de estímulo a reações selvagens quando andava na rua.
Também teve capacidade para apontar pontos fracos em vários momentos do
julgamento.
Lewandovski se manifestou a favor do desmembramento, em agosto de 2012,
abrindo um debate necessário que se prolonga até hoje, quando o STF terá de
julgar a renuncia de Eduardo Azeredo.
Lewandovski ainda registrou o agravamento artificial das penas pelo
crime de quadrilha, num levantamento que seria empregado por Barroso e Zavaski
na quinta-feira.
Se, em setembro passado, foi Celso de Mello quem deu o voto decisivo que
permitiu aos réus apresentarem seus embargos infringentes, única chance de uma
revisão do julgamento, limitada e especialíssima, Lewandovski ajudou a cimentar
a base de ministros que formou a maioria daquela vez.
Embora tenha sido derrotado na maioria das votações da ação penal 470,
assumiu a postura respeitosa que se revelou vitoriosa no fim. Podia perder no
voto mas ganhava na atitude.
Como revisor, ele foi tratado como um inimigo -- sim, inimigo -- pelo
relator e depois presidente da corte, que poucas vezes agiu com a isenção que
se espera de um juiz. Quase sempre em minoria, Lewandovski foi um dos
arquitetos do ambiente de tolerância e abertura à divergência, que levou
aderrota do crime de quadrilha e permite aguardar por um debate maduro sobre os
embargos que envolvem o crime de lavagem de dinheiro.
Fonte: http://ajusticeiradeesquerda.blogspot.com.br/2014/03/pml-tese-de-votos-de-cabresto-no-stf-e.html